sexta-feira, 30 de abril de 2010

À PROCURA DA FADA MADRINHA

Vanize Zambom Niederauer - Professora
Zero Hora - 16/06/2007

Como mãe e professora, estive pensando: não está fácil ser criança hoje em dia. A educação infantil (de zero a seis anos) engatinha no Brasil e já dá sinais de ser um "bebê em crise". Em primeiro lugar, porque ainda não conseguiu conceituar "infância" e enxergar a criança como ela é e o mundo em que ela vive. Em segundo lugar, porque ainda não conseguiu definir no que consiste a escola infantil. Por quê? Para quem? Para os pais ou para as crianças? Entre tantos objetivos, estamos atingindo a essência da infância? O que tem a ver a escola com a essência da criança? 
Em terceiro lugar, surgem as questões teóricas: como as noções construtivistas estão equivocadas! Afinal de contas, Piaget é para o PPP (Projeto Político-Pedagógico) ou para as crianças? Piaget estudou o desenvolvimento do pensamento e da inteligência da criança, mas algum dia disse que a base da infância era a cognição? Que a infância era a construção do conhecimento?!
Vejo nas escolas infantis o projeto Meio Ambiente. Sim, é importante aprender a cuidar do mundo, mas seria bom aprender antes a cuidar da sua casa. Mapas, globos, nomes: Oceano Pacífico, Atlântico; Região Sul, Região Leste ... e quantos pais orgulhosos por ouvirem seus filhos - que não sabem onde fica a sua rua - repetindo essa nomeclatura. Essa é a realidade da criança? Isso é cosntrução de conhecimento? Talvez seja do professor.
Aí vêm os números e as letras, que em muitos lugares ainda chegam às crianças num trenzinho cujos vagões são A-E-I-O-U. Pobre Emília Ferreiro, foi atropelada pelo trem... Mas, "mal não faz", há quem diga! Vamos adiante. Mudam as estações e chegam as festas juninas. Aqueles piás que o ano inteiro usam a camisa do Grêmio e do Inter deparam com a professora mostrando o chapéu de palha e a camisa xadrez com retalhos. Caipiras, nós? Mas não nos ensinam a cantar desde cedo que "povo que não tem virtude acaba por ser escravo"? E as nossas façanhas não servem de modelo nem às crianças da nossa terra?
Nossas crianças não precisam de pintinhas na cara e dente pintado de preto, precisam é visitar um CTG e descobrir que aqui tem chula! Não deviam voltar para casa pensando no mosquito da dengue, mas na princesa que deita sobre 20 colchões e ainda sente a ervilha que está embaixo! Por onde andam o Pequeno Alfaiate e a Rapunzel? Devem ter se perdido na camada de Ozônio.
Infância é época de se encantar, até porquel para desencatar temos a vida inteira!
Nossas crianças não precisam de mais tecnologia, precisam aprender a pular corda e subir em árvore - aquela que dão amora, lembra!!! Nossas crianças não carecem de vogais que andam em trilhos, mas de Elias José, Cecília Meireles, Urbim, Quintana, Capparelli. E nós precisamos de mais Paulo Freire, mais Ruben Alves e menos cartilhas. Precisamos de mais memórias para lembrar como era ser criança. Quem sabe aí, a infância, a educação e os nossos valores façam as pazes.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A importância de ajudar a criança a transpor limites

Revista Pátio , Ano VIII - Nº 23 - Limites na primeira infância - Abril 2010 / Junho 2010
ArtMed

Ana Maria Mello
 
Como no mundo tudo é regulado por regras, é preciso ter clareza sobre quais são os limites para que a criança possa experimentar essas regras, buscando construir com autonomia sua identidade e suas possibilidades de interação com o meio em que está inserida


Começo este artigo lembrando uma boa conversa que tivemos em Ribeirão Preto (SP), alguns anos atrás, com o psicólogo Yves de La Taille, professor do Instituto de Psicologia da USP. Naquela oportunidade, estudávamos a construção da identidade na infância em formação continuada com professoras (aqui utilizarei predominantemente o gênero feminino, já que em alguns momentos só havia educadoras participando desse processo) e técnicos. Os especialistas e as famílias ali presentes queriam narrar suas experiências de cuidar e educar crianças com menos de 6 anos.

As perguntas giravam em torno do senso comum: bebês de até 2 anos podem compreender regras? Até que faixa etária é preciso estabelecer regras? Como e quando flexibilizá-las? Algumas famílias descreviam eventos, narravam acontecimentos nos quais as crianças apareciam como verdadeiros tiranos e os adultos como vítimas de seus caprichos. Também ali apareciam perguntas a respeito dos limites da família e da creche: quais as funções de cada instituição? Por que as famílias colocam poucos limites? Por que as creches não deixam claro quais são as regras? Por que vale uma regra para uma família, para uma criança, mas uma diferente para outra? Quem medeia as regras de uma instituição? E como deve ser em casa?

Lembro também que o professor Yves de La Taille pediu paciência, pois precisaria defender uma ideia oposta. Ele afirmou enfaticamente que os adultos deveriam educar não para colocar limites, e sim para ajudar as crianças a transpor limites! Os adultos presentes reagiram espantados com tal afirmação. A interjeição "oh" ecoou de tal modo, que todos nós rimos em seguida. Porém, estávamos muito interessados em debater esse tema, já que em alguns episódios relatados apareceram recados implícitos, remetidos tanto à creche quanto à família, culpabilizando as duas instituições.

Nosso convidado queria dizer que, como no mundo tudo é regulado por regras, é preciso ter clareza sobre quais são os limites para que a criança possa experimentar essas regras, às vezes com a tutela, outras vezes com a supervisão dos adultos, e outras tantas sozinha, buscando construir com autonomia sua identidade, suas possibilidades de interação com o meio em que está inserida.

Lembro-me ainda que, em diferentes oportunidades, ao organizar grupos de estudos ou orientações sobre comportamentos no cuidado e na educação coletiva de crianças, procuramos identificar nos episódios apresentados quais eram os momentos do dia a dia em que esses casos apareciam com maior frequência. Identificamos que, quanto menor a criança, maior a tensão colocada no tripé higiene, nutrição e sono. Nessa oportunidade, avaliamos também que é através desse tripé que a criança tem seus primeiros contatos com o mundo social. Sabíamos que cada ação dessa natureza estava ligada a uma rede de comunicações entre a criança e o adulto, estabelecendo uma relação interpessoal. As meias e os sapatos desaparecidos ou sujos, a conservação e a organização dos objetos trazidos de casa, o modo como nos comunicávamos entre nós e com as famílias, cada novo programa e/ou planejamento, cada organização dos tempos e espaços - tudo isso nos fornecia mais condições de provocar transposição de limites.

As professoras relatavam que, ao interagir com a criança, introduziam nessas interações suas próprias emoções, ou seja, seu estado de humor, seu ânimo e suas possibilidades emocionais de se colocar no lugar do outro e de responder às necessidades do outro. Recordo que lemos sobre a importância do contato físico, particularmente para as crianças abaixo de três anos, e refletimos ser este o meio mais seguro para se construir a intimidade emocional com os pequenos, desde que o adulto tivesse capacidade para tanto.

Identificávamos muitas vezes o adulto maduro, aquele descrito por Winnicott (1975, p. 64): "O adulto maduro, de fato, toma parte na atividade de prover. Precisamos examinar as necessidades da criança, que vão mudando à medida que esta muda da dependência para a independência". Outras tantas vezes víamos os adultos competindo e esquecendo-se da responsabilidade de mediar as interações entre as crianças.

Naquelas ocasiões, vários episódios eram lembrados pelos professores, sendo destacado que a maior parte das experiências que ocorrem nesses contatos das crianças com os adultos é impregnada de sentimentos geralmente contraditórios. Muitos adultos queriam saber por que a emoção tem tanta força de controle, por que a emoção da criança costuma entrar em cena quando algo pelo qual ela anseia lhe é dado ou negado.

Aprendi durante esses anos que negociar e renegociar regras, regulamentá-las, normalizá-las e rediscuti-las é algo continuado. Deve-se considerar que esse é um dos conteúdos do trabalho de quem cuida de crianças, particularmente em uma instituição de educação infantil. Partindo desse princípio e recorrendo a Wallon, pode-se refletir sobre a possibilidade de que a criança e o adulto aprendam noções importantes nas interações, "descobrindo que tudo no mundo, inclusive pessoas, é regulado por regras" (Werebe e Nadel, 1986, p. 47). Vimos que os adultos e as crianças estabelecem entre si o significado das coisas, dos eventos que os cercam, assim como o comportamento e a forma de ser dessa criança estão sendo continuamente atribuídos, negociados e modificados.

É comum ouvirmos nas creches queixas de pais e educadores sobre as crianças com menos de seis anos: elas não dormem enquanto os pais não se recolhem, não comem se não for só macarrão, ou não brincam se não for apenas com regras estabelecidas e modificadas por elas. Nesse confronto com diferentes parceiros, a criança vai formando seu pensamento e sua afetividade. Ao mesmo tempo, vários atos infantis são acompanhados pela ansiedade ou pelo aborrecimento, resultando em sons emocionais: choro, balbucio, suspiros, gritos, falas compulsivas. Nesses momentos, ocorre um contágio rápido, quase instantâneo, dos adultos e das outras crianças.

Durante a década de 1990, preocupados em aproximar as famílias, organizamos uma série de projetos para a formação dos educadores, que foram denominados Série Carochinha. Junto com eles estudamos, analisamos sugestões, levantamos diferenças e avaliamos. Posteriormente, escrevemos folhetos e editamos vídeos educativos sobre como está organizada cada uma dessas ações na creche, quais são suas concepções e por que são defendidas. Nesses projetos, discutimos temas como mordidas, adaptação (das crianças, das famílias e dos educadores), alimentação, controle de esfíncter, sono, sexualidade, banho e brincadeiras com água, como também limites para a infância (Rossetti-Ferreira et al., 2008).

Recorto esse fragmento da história de formação continuada do grupo da Creche Carochinha porque considero que foi um bom exercício para tratar os combinados (interações compartilhadas nas quais a fala da criança e de sua família deve ser considerada e analisada sistematicamente) entre as crianças e os adultos que resultaram em construções coletivas negociadas. Vale lembrar que, como sempre, essas regras não estão solidamente edificadas: devemos continuar enfrentando as tensões, pois estas mudam segundo a dinâmica da creche, da família e da sociedade.

Em outras experiências nas quais me envolvi e me envolvo quando identifico limites apagados, imprecisos ou opacos entre as crianças, suas famílias e seus educadores, vou logo tentando recuperar com o grupo (pais e professores) quais são os contratos coletivos, ou seja, os combinados dessas instituições. Quando isso acontece, provoco os integrantes do grupo com as seguintes perguntas: qual é a vantagem de não deixar claro para as crianças e suas famílias as regras daquelas relações? Quais as vantagens de não combinar nada? Quem ganha com o silêncio de alguns temas que se tornam tabus na instituição? Quem ganha quando famílias e professores silenciam? Quem ganha com a falta de comunicação ou com a comunicação truncada? Quem ganha com o distanciamento?

Para tentar pensar nessas (des)vantagens, retornarei ao início deste artigo e pedirei novamente ajuda ao professor Yves de La Taille (1992), que afirma que limites imprecisos - ora admitidos pelo adulto, ora rejeitados na mesma ação - podem trazer como consequência o desamparo das crianças e dos adultos, além do controle total de quem medeia essas relações (pai, mãe, diretora, professora, etc.). Para a mesma reflexão, e considerando a relação entre creche e família, poderia ainda recorrer a Cyntia Sarti e Damaris Maranhão (2009), em seu recente artigo sobre os limites imprecisos entre família e creche, quando destacam que o cenário favorece o envolvimento pessoal dos profissionais com base na compaixão e na piedade, como sentimentos que, em nome precisamente de uma "ajuda", negam a condição de sujeito de quem é ajudado, afirmando um lugar de poder de quem ajuda.

Para concluir, não identifico vantagem alguma em deixar as regras obscuras ou os limites imprecisos. Acredito que, para que se transponham limites, para que a criança conheça o mundo que a cerca, para que a família e os funcionários participem democraticamente como sujeitos de direitos dessas interações éticas, há que se combinar de fato, dando visibilidade e tendo disposição para alterar as regras em associação com todos os segmentos que frequentam as creches e pré-escolas (Chauí, 1997; DeVries, 1998).

Ana Maria Mello é supervisora
das Creches USP/Coseas Interior.
melloa@uol.com.br

REFERÊNCIAS

CHAUÍ, M. Público, privado, despotismo. In: Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

DEVRIES, R.; ZAN, B. Ética na educação infantil: o ambiente sócio-moral na escola. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

ROSSETTI-FERREIRA, M.C. et al. Os fazeres na educação infantil. 11.ed. São Paulo: Cortez, 2008.

SARTI, C.A.; MARANHÃO, D.G. A creche é o pai: instituição pública ou projeção de uma família idealizada? In: FREITAS, M.C. de; MÜLLER, F. (orgs.). A criança e a infância em perspectiva: cenários nacionais e internacionais. São Paulo: Cortez, 2009.

LA TAILLE, Y. de. Construção da fronteira da intimidade: a humilhação e a vergonha na educação moral. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 82, p. 48-55, 1992.

WEREBE, M.J.; NADEL, J.G. Henri Wallon. São Paulo: Ática, 1986.

WINNICOTT, D. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975.

domingo, 18 de abril de 2010

Alfabetização e letramento na educação infantil

Revista Pátio Educação Infantil - Ano VII - Nº 20 - Oralidade, alfabetização e letramento - Jul/Out, 2009
 ArtMed.

Magda Soares

 
Na educação infantil, devem estar presentes tanto atividades de introdução da criança ao sistema alfabético e suas convenções − alfabetização − quanto as práticas de uso social da leitura e da escrita − letramento
O título deste artigo já propõe as duas premissas em que se apoia a argumentação que nele se desenvolverá. Em primeiro lugar, o título é uma afirmação, não uma pergunta: não se propõe uma dúvida - alfabetização e letramento na educação infantil? -, mas afirma-se a presença da alfabetização e do letramento na educação infantil. Em segundo lugar, a conjunção que liga os dois termos - alfabetização, letramento - é uma aditiva, não uma alternativa: alfabetização e letramento, não alfabetização ou letramento, reconhecendo-se, assim, que uma e outro têm, ou devem ter, presença na educação infantil. Cabe inicialmente fundamentar essas duas premissas.

A necessidade de fundamentar a primeira premissa - a afirmação da presença de alfabetização e letramento na educação infantil - justifica-se porque, até muito recentemente, assumia-se que a criança só poderia dar início ao seu processo de aprendizagem da leitura e da escrita em determinada idade e, por conseguinte, em determinado momento de sua educação institucionalizada: entre nós, no Brasil, aos 7 anos, idade de ingresso no primeiro ano do ensino fundamental. Quando havia a possibilidade de educação institucionalizada antes disso, ela ocorria no então denominado, significativamente, "jardim-de-infância", uma metáfora que revela o objetivo que essa etapa perseguia: cuidar das crianças para que crescessem e amadurecessem, como em um jardim se cuida das plantas para que cresçam e cheguem à floração... E nesse "jardim" não deveria haver "letras", porque se considerava prematuro dar às crianças acesso à língua escrita antes dos 7 anos.

No entanto, já no início dos anos 1980, Emilia Ferreiro, em seu livro Reflexões sobre alfabetização (Ferreiro, 1985), criticava o falso pressuposto que subjaz à determinação de idade e série de escolaridade para que a criança tenha acesso à língua escrita: o pressuposto de que os adultos é que decidem quando esse acesso pode ser permitido. Pressuposto falso, porque, nos contextos grafocêntricos em que vivemos, as crianças convivem com a escrita - umas, mais, outras, menos, dependendo da camada social a que pertençam, mas todas convivem - muito antes de chegar ao ensino fundamental e antes mesmo de chegar a instituições de educação infantil. Nessa convivência, elas vão construindo sua alfabetização e seu letramento: seu conceito de língua escrita, das funções do ler e do escrever; seu conhecimento de letras e números; sua diferenciação entre gêneros e portadores de textos - as diferenças entre informações que veem os adultos buscarem em rótulos, as histórias que lhes são lidas em um livro, em uma revista, os bilhetes que as pessoas escrevem ou leem, etc. Além de conceitos e conhecimentos, as crianças também vão construindo, em seu contexto social e familiar, o interesse pela leitura e pela escrita, bem como o desejo de acesso ao mundo da escrita.

Para fundamentar a segunda premissa - alfabetização e letramento têm, ou devem ter, presença na educação infantil - torna-se necessário explicitar o que se entende aqui por alfabetização e por letramento. No campo restrito da aprendizagem inicial da língua escrita, a palavra letramento se tornaria desnecessária se fosse possível impor um sentido ampliado à palavra alfabetização.

É preciso reconhecer que o acesso inicial à língua escrita não se reduz ao aprender a ler e escrever no sentido de aprender a grafar palavras e decodificar palavras - não se reduz à alfabetização no sentido que é atribuído a essa palavra. É parte integrante e principal do acesso ao mundo da escrita, mesmo do acesso inicial a esse mundo, o aprender a fazer uso da leitura e da escrita:

- compreender o que é lido e escrever de forma que os outros compreendam o que se escreve;
- conhecer diferentes gêneros e diferentes portadores de textos e fazer uso deles para ler e para escrever;
- participar adequadamente dos eventos de várias naturezas de que fazem parte a leitura ou a escrita;
- construir familiaridade com o mundo da escrita e adquirir competências básicas de uso da leitura e da escrita;
- desenvolver atitudes positivas em relação à importância e ao valor da escrita na vida social e individual.


Na impossibilidade de determinar que a palavra alfabetização passe a significar não só a aprendizagem do sistema alfabético, mas também a aprendizagem dos usos sociais e culturais desse sistema, é que a "invenção" da palavra letramento tornou-se necessária. Assim, a segunda premissa anunciada no início deste artigo afirma que, na educação infantil, devem estar presentes tanto atividades de introdução da criança ao sistema alfabético e suas convenções - alfabetização - quanto as práticas de uso social da leitura e da escrita - letramento.


Alfabetização na educação infantil

Curiosamente, atividades bastante comuns na educação infantil - os rabiscos, os desenhos, os jogos, as brincadeiras de faz-de-conta - não são consideradas atividades de alfabetização, quando representam, na verdade, a fase inicial da aprendizagem da língua escrita, constituindo, segundo Vygotsky, a pré-história da linguagem escrita: quando atribui a rabiscos e desenhos ou a objetos a função de signos, a criança está descobrindo sistemas de representação, precursores e facilitadores da compreensão do sistema de representação que é a língua escrita.

A vivência de representações semióticas, não propriamente linguísticas, são um primeiro passo em direção à representação da cadeia sonora da fala pela forma gráfica da escrita. Uma lata de sardinha que se torna um signo de representação de um trem é, na interpretação de Vygotsky (1984), uma operação cognitiva precursora e preparatória do mais complexo e abstrato processo de atribuição de signos aos sons da fala, ou seja, do processo de conceitualização da escrita como um sistema de representação.

Essa fase considerada a pré-história da escrita explica por que a criança pequena supõe estar escrevendo quando está desenhando ou quando está fazendo rabiscos e garatujas, nesse caso muitas vezes tentando imitar a escrita cursiva dos adultos, o que já representa um avanço em seu processo de alfabetização - um reconhecimento da natureza arbitrária da escrita. É o primeiro nível, entre os níveis por que passam as crianças em seu processo de conceitualização do sistema alfabético, identificados tão claramente por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (2001): níveis icônico e da garatuja, pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético.

Quase todos esses níveis, se não todos, ocorrem, ou podem ocorrer, na educação infantil: lembremos que Ferreiro e Teberosky identificaram os níveis investigando comportamentos de crianças de 4, 5 e 6 anos. Como comprovam inúmeras pesquisas e observações em instituições de educação infantil, as crianças de 4 e 5 anos, com raras exceções, evoluem rapidamente em direção ao nível alfabético se são orientadas e incentivadas por meio de atividades adequadas e sempre de natureza lúdica, característica necessária na educação de crianças pequenas: escrita espontânea, observação da escrita do adulto, familiarização com as letras do alfabeto, contato visual frequente com a escrita de palavras conhecidas, sempre em um ambiente no qual estejam rodeadas de escrita com diferentes funções: calendário, lista de chamada, rotina do dia, rótulos de caixas de material didático, etc.

Mesmo atividades muito presentes na educação infantil, via de regra consideradas apenas por sua natureza lúdica - a repetição de parlendas, a brincadeira com frases e versos trava-línguas, as cantigas de roda, a memorização de poemas -, são passos em direção à alfabetização porque, se forem orientadas nesse sentido, desenvolverão a consciência fonológica, um aspecto fundamental para a compreensão do princípio alfabético: se o sistema alfabético representa os sons da língua, é necessário que a criança torne-se capaz de voltar sua atenção não apenas para o significado do que fala ou ouve, mas também para a cadeia sonora com que se expressa oralmente ou que recebe oralmente de quem com ela fala; que perceba, na frase falada ou ouvida, os sons que delimitam as palavras, em cada palavra, os sons das sílabas que constituem cada palavra, em cada sílaba, os sons e que são feitas.

Várias pesquisas comprovam a correlação entre consciência fonológica e progresso na aprendizagem da leitura e da escrita. Portanto, jogos voltados para o desenvolvimento da consciência fonológica, se realizados sistematicamente na educação infantil, criam condições propícias e, inclusive, necessárias para a apropriação do sistema alfabético.


Letramento na educação infantil

A leitura frequente de histórias para crianças é, sem dúvida, a principal e indispensável atividade de letramento na educação infantil. Se adequadamente desenvolvida, essa atividade conduz a criança, desde muito pequena, a conhecimentos e habilidades fundamentais para a sua plena inserção no mundo da escrita.

Por um lado, esta é uma atividade que leva a criança a se familiarizar com a materialidade do texto escrito: conhecer o objeto livro ou revista, descobrir que as marcas na página - sequências de letras - escondem significados, que textos é que são "para ler", não as ilustrações, que as páginas são folheadas da direita para a esquerda, que os textos são lidos da esquerda para a direita e de cima para baixo, que os livros têm autor, ilustrador, editor, têm capa, lombada... Por outro lado, a leitura de histórias é uma atividade que enriquece o vocabulário da criança e proporciona o desenvolvimento de habilidades de compreensão de textos escritos, de inferência, de avaliação e de estabelecimento de relações entre fatos. Tais habilidades serão transferidas posteriormente para a leitura independente, quando a criança tornar-se apta a realizá-la.

Naturalmente, para que a leitura oral de histórias atinja esses objetivos, não basta que a história seja lida. É necessário que o objeto portador da história seja analisado com as crianças e sejam desenvolvidas estratégias de leitura, tais como: que a leitura seja precedida de perguntas de previsão a partir do título e das ilustrações; que seja propositadamente interrompida, em pontos pré-escolhidos, por perguntas de compreensão e de inferência; que seja acompanhada, ao término, por confronto com as previsões inicialmente feitas, por meio da avaliação de fatos, personagens, seus comportamentos e suas atitudes.

Outros gêneros de textos também devem ser objeto de leitura do adulto para as crianças: textos informativos (que podem ser lidos em busca de conhecimentos que as crianças revelem não ter, mas desejam adquirir), textos injuntivos (que orientam a prática de jogos e os comportamentos), textos publicitários, textos jornalísticos, histórias em quadrinhos, etc. Ou seja, na educação infantil, a criança pode e deve ser introduzida a diferentes gêneros, diferentes portadores de textos. Além disso, pode-se levá-la a identificar o objetivo de cada gênero, o leitor a que se destina, o modo específico de ler cada gênero.

Do mesmo modo, atividades de letramento com a escrita podem e devem ter presença frequente na educação infantil. A todo momento, surgem oportunidades de registrar algo como apoio à memória, de ditar para o adulto uma carta que se quer enviar a alguém, de construir um cartaz sobre um trabalho desenvolvido. Enfim, são inúmeras as situações que podem ser aproveitadas para que as crianças percebam a função da escrita para fins diversos e a utilizem em práticas de interação social.


Integrando alfabetização e letramento

A discussão sobre alfabetização e letramento em dois tópicos, como feito neste artigo, pode suscitar a ideia de que são componentes da introdução da criança no mundo da escrita a serem desenvolvidos separadamente. Contudo, não deve ser assim. Embora as atividades de alfabetização e letramento diferenciem-se tanto em relação às operações cognitivas por elas demandadas quanto em relação aos procedimentos metodológicos e didáticos que as orientam, essas atividades devem desenvolver-se de forma integrada. Caso sejam desenvolvidas de forma dissociada, a criança certamente terá uma visão parcial e, portanto, distorcida do mundo da escrita.

A base será sempre o letramento, já que leitura e escrita são, fundamentalmente, meios de comunicação e interação, enquanto a alfabetização deve ser vista pela criança como instrumento para que possa envolver-se nas práticas e usos da língua escrita. Assim, a história lida pode gerar várias atividades de escrita, como pode provocar uma curiosidade que leve à busca de informações em outras fontes; frases ou palavras da história podem vir a ser objeto de atividades de alfabetização; poemas podem levar à consciência de rimas e aliterações. O essencial é que as crianças estejam imersas em um contexto letrado - o que é uma outra designação para o que também se costuma chamar de ambiente alfabetizador - e que nesse contexto sejam aproveitadas, de maneira planejada e sistemática, todas as oportunidades para dar continuidade aos processos de alfabetização e letramento que elas já vinham vivenciando antes de chegar à instituição de educação infantil.

Magda Soares é doutora em Educação e professora da Faculdade de Educação da UFMG.
mbecker.soares@terra.com.br

REFERÊNCIAS

FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1985. ____.;
TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 2001.
VYGOTSKY, L. A pré-história da língua escrita. In: A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

domingo, 4 de abril de 2010

POR AMOR A FONOAUDIOLOGIA

http://www.youtube.com/watch?v=SKdPFdkgt7s

ALFABETIZAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL . PODE?

Regina Scarpa
Revista Nova Escola - janeiro/fevereiro - 2006

A polêmica sobre ensinar ou não as crianças a ler e a escrever já na Educação Infantil tem origem em pressupostos diferentes a respeito de várias questões. Entre elas:

* O que é alfabetizçaão? Alguns educadores acham que é a aquisição do sistema alfabético da escrita; outros, um processo pelo qual a pessoa se torna capaz de ler, compreeender o texto e expressar por escrito.

* Como se aprende a ler e escrever? Pode ser uma aprendizagem de natureza perceptual e motora ou de natureza conceitual. O ensino, no primeiro caso, pode estar baseado no reconhecimento e na cópia de letras, sílabas e palavras. No segundo, no planejamento intencional de práticas sociais mediadas pela escrita, para que as crianças delas participem e recebam informações contextualizadas.

* O que é a escrita? Há quem defenda ser um simples codigo de transcrição da fala e os que acreditam ser um sistema de representação da linguagem, um objeto social complexo com diferentes usos e funções.

Em razão desses diferentes pressupostos, alguns educadores receiam a antecipação de práticas pedagógicas tradicionais do Ensino Fundamental antes dos 6 anos (exercícios de prontidão, cópia e memorização) e a perda do lúdico. Como se a escrita entrasse por uma porta e as atividades com outras linguagens (músicas, brincadeiras, desenhos, etc.) saíssem por outra. Por outro lado, há quem valorize a presença da cultra escrita na Educação Infantil por entender que para o processo de alfabetização é importante a criança ter familiaridade com o mundo dos textos.
Na Educação Infantil as crianças recebem informações sobre a escrita quando: brincam com a sonoridade das palavras, reconhecendo semelhanças e diferenças entre os termos; manuseiam todo o tipo de material escrito, como revistas, gibis, livros, fascículos, etc.; e o professor lê para a turma e serve de escriba na produção de textos coletivos.
Alguns alunos estão imersos nesse contexto, convivendo com adultos alfabetizados e com livros em casa e aprendendo as letras no teclado do computador. Eles fazem parte de um mundo letrado, de um ambiente alfabetizador. Outros não: há os que vivem na zona rural, onde a escrita não é tão presente, e os que, mesmo morando em centros urbanos, não têm contato com pessoas alfabetizadas e com os usos sociais da leitura e da escrita.
Grande parte das crianças da escola pública depende desse espaço para ter acesso a esse patrimônio cultural. A Educação Infantil é uma etapa fundamental do desenvolvimento escolar das crianças. Ao democratizr o acesso à cultura escrita, ela contribui para minimizar diferenças socioculturais. Para que os alunos aprendam a ler e a escrever, é preciso que participem de atos de leitura e esrita desde o inicio da escolarização. Se a Educação Infantil cumprir seu papel, envolvendo os pequenos em atividades que os façam pensar e compreender a escrita, no final dessa etapa eles estarão naturalmente alfabetizados (ou aptos a dar passos mais ousados em seus papéis de leitores e escritores).

sábado, 3 de abril de 2010

FELIZ PÁSCOA!!!!


Sua proposta de vida não foi atendida por muitos.
Condenaram este homem e crucificaram-no ignorando todos os seus propósitos de um mundo melhor.
Houve dor, angústia e escuridão.
Por três dias o sol se recusou a brilhar, a lua se negou a iluminar a Terra, até que o terceiro dia a vida acontecia.
A páscoa existe para nos lembrar deste momento inigualável chamado ressurreição.
Ressurreição do sorriso, da alegria de viver, do amor.
Ressurreição da amizade, da vontade de ser feliz.
Ressurreição dos sonhos, das lembranças.
E de uma verdade que está acima dos ovos de chocolates ou até dos coelhinhos da páscoa.
Cristo morreu, mas ressuscitou.
E fez isso somente para nos ensinar a matar os nossos piores defeitos e ressuscitar as maiores virtudes sepultadas no íntimo de nossos corações.
Que este seja o verdadeiro da minha, da sua, da nossa Páscoa, que possamos encontrar amor, carinho, paz, fraternidade, companheirismo, porque isso sim é o verdadeiro sentido da Páscoa.